Ikigai: a filosofia mais falada do momento

10 de julho de 2021

Escrito por Jacqueline Costa para O Globo.

Okinawa, no sul do Japão, é uma pequena ilha que sempre deixou pesquisadores ligados à área de saúde com a pulga atrás da orelha. Tudo porque lá a proporção de pessoas que chegam bem aos cem anos ou mais é de 24,55 para cada cem mil habitantes — a média é bem superior ao resto do planeta. E aí entra a filosofia do momento, que há muito tempo é aplicada por esses orientais tão longevos: a ikigai. Anote, porque se você ainda não ouviu falar sobre o assunto, é só uma questão de tempo. Ainda mais porque será lançado no Brasil, nesta quarta-feira, pela editora Intrínseca, o best-seller “Ikigai: os segredos dos japoneses para uma vida longa e feliz”, de Héctor García e Francesc Miralles. O livro chegou à sexta edição nos Estados Unidos em apenas seis meses e segue uma trajetória ascendente de vendas; acaba de surgir em quarto lugar entre os mais vendidos da lista semanal da Amazon. O sucesso se repete na Holanda, com 17 reimpressões, e no país dos autores, a Espanha, com seis reimpressões. No total, já foram vendidos mais de 300 mil exemplares no mundo, principalmente na Europa e nos Estados Unidos.

Numa tradução simples, a palavra japonesa significa “a razão de ser” ou “o motivo pelo qual acordamos todas as manhãs”. Algumas pessoas encontram sua ikigai e têm consciência dela, outras a carregam dentro de si, mas ainda a procuram. Depois de um ano de investigações teóricas, os autores viajaram à aldeia dos centenários para conhecer de perto as leis da sabedoria dos anciãos japoneses. Uma das perguntas fundamentais para ajudar a descobrir a ikigai é: O que você faria se não precisasse de dinheiro? Francesc diz que é possível encontrar o seu propósito sozinho, sem a ajuda de um terapeuta

—Tente novas coisas ou então retorne àquilo que você amava fazer quando era criança, mas que depois acabou abandonando. Se você reservar um tempo só seu, descobrirá a sua ikigai — diz Francesc.

No livro, ele explica que a mandala dessa filosofia oriental pode ajudar na descoberta. De origem e autoria desconhecidas, ela mostra diferentes áreas e as intercessões de uma vida plena. É composta por quatro círculos que se sobrepõem: aquilo que você ama, aquilo de que o mundo precisa, aquilo em que você é bom, aquilo pelo que você pode ser pago para fazer. Ou seja: paixão, missão, profissão e vocação.Ao centro, onde há a intersecção principal, está a própria ikigai.

O saber oriental tem conquistado adeptos também no mundo corporativo, do empreendedorismo e da gestão de pessoas. Consultora de comunicação, palestrante e terapeuta integrativa, Patrícia Monte trabalhou cinco anos no mercado corporativo e mais dez anos no Terceiro Setor até achar o seu propósito profissional.

— Incentivada pela minha terapeuta, resolvi fazer a mandala da ikigai e foi realmente transformadora. A mandala me fez unir os fios soltos, foi organizando os passos da minha trajetória e me fez perceber que a comunicação com empatia e propósito era a minha ikigai. Hoje, entendo que o trabalho é motivado por um propósito pessoal e que ,quando há um alinhamento entre seus valores individuais e os valores de uma organização, são muito maiores as chances de a pessoa se sentir satisfeita e produtiva, o que beneficia todo mundo — explica Patricia, que trabalha com projetos de comunicação, sempre voltados a ajudar outras pessoas neste mesmo processo de busca.

Depois de descobrir a sua ikigai, é preciso mantê-la por perto, cultivá-la. A receita de Francesc é simples:

—Reserve um pouco de seu tempo, todos os dias, para fazer as coisas que ama.

Mestre em Psicologia pela Universidade de Derby, na Inglaterra, e formado em Economia e em Matemática pela Universidade Cornell, nos Estados Unidos, Alan Pogrebinschi trabalhou no mercado financeiro de Wall Street por vários anos, passando de diretor a vice-presidente em grandes bancos, como Morgan Stanley, Lehman Brothers, Barclays e UBS. De volta ao Brasil aos 39 anos, ele deixou o mercado financeiro e resgatou a meditação, cujo estudo iniciou aos 16 anos durante uma temporada na Índia. Hoje, Alan ensina a prática e se dedica a difundir um novo tipo de caminho espiritual, baseado nas ciências contextuais do comportamento. Em São Paulo, onde mora, atua como coach, palestrante, escritor e professor. Alan diz que a filosofia do ikigai tem inegável valor, mas que pode ser muito mal compreendida e desvirtuada.

—Nós tendemos a ver conceitos novos com óculos antigos. O que quero dizer é que nossa cultura ocidental é capaz de pegar até mesmo uma ideia saudável como a ikigai e converter numa cobrança de que todos têm que achar um propósito maior. O problema é a cobrança, a sensação de que todos à nossa volta têm um propósito lindo e que nós “estamos perdendo” ou “estamos errados” se não tivermos também. Então o que poderia ser uma ferramenta para ajudar, conectar-se com o que dá sentido para sua vida, passa a ser mais uma fonte de comparação com os outros, mais um motivo para você se criticar e, assim, tornar-se mais infeliz. Isso não é resultado da filosofia ikigai ou da busca de propósito, mas de a gente aplicar a nossa mentalidade antiga até nesses novos conceitos — afirma Alan.

García e Miralles estabelecem paralelos entre a ikigai e a logoterapia, que estimula a busca por um sentido para a vida, e entre a ikigai e o estado de fluir, conceito que combate a dinâmica multitarefa comum nos dias de hoje. “Uma vez que tenha encontrado sua própria ikigai”, recomendam, “trate de segui-la e alimentá-la todos os dias para dar sentido à sua existência. No momento em que você dota sua vida de significado, a tarefa mais rotineira se converte em um feliz fluir”.

Os autores dizem que contar com o suporte de uma rede de amigos, ou “moai”, ter uma alimentação leve, descansar de maneira adequada e praticar exercícios suaves fariam parte da equação de saúde, mas o centro dessa  joie de vivre , a alegria de viver que os impulsiona a envelhecer e continuar celebrando cada novo dia, está na ikigai pessoal de cada um. Encontrar a sua ikigai pode ser a senha, o “Abre-te, Sésamo!”, para atravessar uma existência longa e feliz.

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